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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Cobrança pela Água no São Francisco

Do portal ECODEBATE (http://www.ecodebate.com.br/)

A Cobrança pela Água no São Francisco, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)


[EcoDebate] Como estava previsto na lei nacional de Recursos Hídricos 9433/97, a cobrança pelo uso da água começa a se difundir pelo Brasil. Ela se torna possível quando é criado um comitê de bacia e esse comitê cria sua agência de águas, isto é, um corpo técnico que se torna responsável pela implementação da cobrança. Entretanto, a cobrança é uma decisão do comitê.

O São Francisco começa nesse mês a cobrar pela água, o que tem deixado muita gente preocupada. De fato, a cobrança pela água é muito mais complexa do que se pode imaginar a primeira vista. Os chamados usuários – qualquer ente físico ou jurídico que utilize águas de um determinado corpo d’água, como irrigantes, indústria, serviços de saneamento, etc. – terão que pagar por ela, desde que esteja acima do chamado “uso insignificante”, que no São Francisco foi determinado em 4 litros por segundo. Acima disso, qualquer usuário terá que receber uma outorga e terá que pagar por cada metro cúbico utilizado.

Mas, não paga apenas pelo que capta, pagará também pelo que devolve ao corpo d’água em forma de efluentes. Quanto mais limpa for a água captada, mais caro se paga. Quanto mais suja for a água devolvida, mais caro se paga. Quando o uso é “consuntivo”, isto é, a água retirada não volta mais àquele corpo d’água, como é o caso da Transposição, ainda mais caro se deve pagar.

O critério é o enquadramento dos corpos d’água, que de forma sintética, classifica a qualidade da água. Aí entra outro fator complexo, já que a classificação é pelo DBO – demanda biológica por oxigênio – que indica a demanda de oxigênio que aquele efluente vai demandar do corpo d’água para processar seu material orgânico. Portanto, não são avaliadas questões chaves, como a contaminação por metais pesados.

A água do São Francisco a ser captada pela Transposição está classificada no nível 2, portanto, nem a melhor das águas, nem a pior. Além do mais, é um uso cem por cento consuntivo, já que nenhuma gota voltará ao São Francisco. O problema é que sua adução até os demais estados demanda muita energia e manutenção dos canais e maquinários. Então, o governo, que sempre garantiu que essa água seria barata, agora quer impor redução no preço da água transposta. Resultado, os beradeiros do São Francisco poderão pagar mais caro pela água do rio que os receptores nos estados do setentrional.

Discute-se também se para pôr um barco na água, para pescar, etc., esses pequenos usuários deveriam pagar. Pelo menos no comitê do São Francisco, ainda não. Porém, os pequenos agricultores mineiros estão apavorados porque agora tem que registrar suas minações, olhos d’água e outras formas de captação, mesmo que o uso seja insignificante e não tenham que pagar pelo seu uso.

Enfim, agora água é mercadoria, tem valor econômico e será vendida como qualquer produto. Há quem defenda a cobrança pela água como uma medida pedagógica e disciplinar. Nós achamos que o mecanismo da cobrança não estabelece o uso equitativo da água – quem tiver outorga e dinheiro para comprar leva -, e que outros mecanismos seriam mais eficientes para disciplinar e fazer justiça no uso da água. Mas, prevaleceram os interesses e a lógica do capital, embutidos em nossa lei de recursos hídricos.

No futuro, quando toda água estiver mercantilizada, novas formas de fazer da água um negócio deverão aparecer. Previmos esses desdobramentos desde a Campanha da Fraternidade da Água, em 2004. Agora estamos colhendo os frutos da implementação dessa lei e da política que ela nos trouxe.

Roberto Malvezzi (Gogó), Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, é articulista do Portal EcoDebate.

EcoDebate, 10/09/2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O direito humano à água

Da página do EcoDebate (http://www.ecodebate.com.br/)

No dia 28 de julho, a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou “o direito à água potável, limpa e segura, e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos.” (1)


Isso veio de surpresa; não por a resolução ter sido adotada, mas porque significa que até agora o acesso à água doce, limpa e segura, NÃO tinha sido reconhecido como um dos mais básicos direitos de cada ser humano!

Dito o anterior, é claro que nós damos as boas vindas a essa declaração, que consideramos um marco para abordar os problemas que atualmente enfrentam quase 900 milhões de pessoas no mundo todo, que não têm acesso à água limpa – e muitas mais que poderiam enfrentar o mesmo destino no futuro próximo.

Também damos as boas vindas ao fato de a resolução apelar para os Estados e as organizações internacionais “a fim de intensificarem os esforços para providenciar água potável segura, limpa, física e economicamente acessível, e saneamento para todos.”

Um terceiro motivo para dar as boas vindas à declaração é o fato de ela abrir as portas para um debate muito necessário sobre uma série de problemáticas cruciais, que abrangem desde a posse da água até as medidas que garantam que a água permaneça segura, limpa, física e economicamente acessível.

A respeito da posse da água, a questão mais óbvia parece ser a incompatibilidade entre a água como direito humano básico e sua apropriação por parte de companhias privadas com fins lucrativos. Para a maior parte das pessoas, a luta está, portanto, focalizada contra a privatização da água doce e em prol de ser devolvida às companhias estatais ou de permanecer em suas mãos.

Apesar de concordarmos com o acima mencionado, há outras formas de apropriação menos visíveis que gostaríamos de focalizar, que estão ligadas com várias de nossas áreas de trabalho.

A primeira questão é o papel primordial que as florestas têm na conservação do ciclo hídrico. Quando vastas áreas de florestas são destruídas pela extração industrial de madeira ou pela conversão à agricultura e à criação de gado em grande escala, isso impacta sobre todo o regime hídrico- de mudanças nos padrões das chuvas ao assoreamento dos cursos de água- que resulta em diminuição da disponibilidade e qualidade da água. A destruição das florestas pode, portanto, também ser considerada como uma forma de apropriação- através da destruição- da água.

Outra forma oculta de apropriação da água diz respeito às atividades que poluem os recursos hídricos tais como a mineração, a exploração de petróleo e a agricultura industrial. Os produtos químicos usados ou liberados por essas atividades desprovêem as comunidades locais da até então água doce, segura e limpa. Para eles, sua água foi apropriada por esses poluidores.

Uma forma de apropriação mais direta resulta das plantações de árvores de rápido crescimento em longa escala que consomem milhões de litros de água diários, privando os usuários locais e rio abaixo da água que necessitam.

Os poucos exemplos acima mencionados mostram que a intensificação dos esforços para providenciar água doce segura, limpa, física e economicamente acessível não é apenas uma questão de providenciar “recursos financeiros, capacitação e tecnologia através de ajuda e cooperação internacional, em particular aos países em desenvolvimento” (como expressa o artigo 2 da resolução das Nações Unidas). Mesmo necessárias, tais ações não são suficientes.

Afinal, o que mais importa é abordar as causas da depleção da água e da poluição e priorizar a conservação da água- em quantidade e qualidade- em todos os investimentos econômicos. Isso significa que nenhuma atividade que veia exaurir ou poluir os recursos hídricos já não deveria ser aceitável.

Devido a o direito à água potável, segura e limpa ter sido finalmente reconhecido como um “direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos,” agora os cidadãos têm o direito e os governos, a obrigação de torná-lo realidade.

(1) A resolução recebeu 122 votos a favor e nenhum voto contra, enquanto 41 países se abstiveram do voto. As abstenções foram: Armênia, Austrália, Áustria, Bósnia e Herzegovina, Botswana, Bulgária, Canadá, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Etiópia, Grécia, Guiana, Islândia, Irlanda, Israel, Japão, Kazakhstan, Quênia, Látvia, Lesoto, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, República da Coréia, República da Moldova, Romênia, Eslováquia, Suécia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, República Unida da Tanzânia, Estados Unidos, Zâmbia.

Boletim número 157 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais

EcoDebate, 06/09/2010